terça-feira, 30 de agosto de 2011

PROJETO DE VOLTA PARA CASA

O tráfico de animais silvestres no Brasil infelizmente ainda é um grande problema, a sociedade brasileira é bombardeada de informações vindas da mídia e de instituições públicas que lamentavelmente não correspondem à realidade do que ocorre no dia a dia.

O Projeto De Volta pra Casa nasceu no seio da SOS Fauna há cerca de nove anos, pois a problemática do pós apreensão em relação a animais silvestres confiscados era e ainda é um problema extremamente sério, onde a sociedade, por falta de informação, imagina que após uma apreensão envolvendo animais silvestres, o problema destes está resolvido, o que não é verdade. A maioria dos animais silvestres apreendidos - sendo que mais de 95% destes são aves - não regressa à natureza e principalmente aos seus locais de origem, muitos são encaminhados a criadores comerciais e conservacionistas, principalmente quando se trata de espécies de interesse destes, tanto para reprodução em cativeiro bem como para enriquecer plantéis, salvos raros e isolados casos. Tal fato gera no Poder Público uma espécie de acomodação, ou seja, já que há quem receba estes animais, por que se preocupar com o regresso à natureza? Ainda mais pelo motivo que solturas realizadas com embasamento científico têm custos bastante elevados.

Esta realidade não afeta somente os espécimes (indivíduos) apreendidos, mas principalmente causa danos imensuráveis aos ecossistemas aos quais pertenciam, pela ausência dos mesmos no cumprimento de suas respectivas funções ecológicas, o que é muito grave.
Em 2006, mais precisamente em 30 de setembro deste ano, no final da madrugada, uma barreira policial interceptou na Rodovia Castelo Branco, município de Quadra – SP, um veículo Chevrolet Monza, com dois indivíduos, no porta malas do automóvel, nada mais nada menos que CENTO E NOVENTA E DOIS filhotes de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva).

Realizados os procedimentos legais para apreensão das aves com a condução dos dois detidos à Delegacia de Policia local, as aves foram encaminhadas ao Zoológico de Sorocaba, local onde teve início a discussão de para onde e para quem iriam as mesmas, e que ficou definido da seguinte maneira:
    1. - Cem filhotes para uma veterinária responsável por alguns criadores credenciados pelo IBAMA e que segundo informações, foram distribuídos entre cinco criadores;
    2. - Vinte filhotes para um dos veterinários do zoológico que também era responsável por outro criador;
    3. - Os restantes, setenta e dois, que ninguém mais queria, foi estabelecido contato conosco para ver se podíamos recebê-los, e assim ocorreu, em uma segunda feira, 03 de outubro de 2006.
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Fotografias: Zoológico de Sorocaba, dia 03 de outubro de 2006, antes de serem encaminhados para SOS Fauna.
Após mais de um ano do fato, a SOS Fauna ainda mantinha vivos, 69 filhotes dos 72 por nós recebidos, enquanto isso tínhamos notícias, pela própria veterinária que recebeu 100 filhotes, de que vários filhotes que estavam nos criadores que ela era técnica responsável, haviam ido a óbito e os outros 20, recebidos pelo outro veterinário, tinham sido furtados do criadouro em que estavam.
Desenvolvendo trabalho de inteligência em campo, acabamos levantando a origem geográfica de coleta destes filhotes, que tinham origem na bacia do rio Paraná, no estado de Mato Grosso do Sul, bioma de cerrado. Um dos mais preocupantes pontos, para realizar a soltura destas aves, o regresso a vida livre, seria o de obter a informação da origem geográfica das mesmas, embora soubéssemos que vinham de Mato Grosso do Sul, não sabíamos de que local do estado teriam sido coletadas de seus respectivos ninhos.
Atualmente, grande parte dos filhotes de papagaios-verdadeiros que abastecem o mercado ilegal na região metropolitana de São Paulo, são oriundos da bacia do rio Paraná, principalmente das sub bacias marcadas como 1.3; 1.4 e 1.5, sendo que a 1.3 consideramos como uma das que mais sofre a apanha.
Devolver um grupo de mais de sessenta papagaios à natureza, além dos problemas que envolvem as questões de origem, face à genética de populações, não é algo simples como muitas pessoas imaginam. Inúmeras vezes somos questionados se o problema de devolução deste grupo de aves não seria somente o transporte, claro que não, embora o deslocamento das mesmas de São Paulo à Mato Grosso do Sul não seja uma tarefa simples, por trás de um projeto como este há muito mais responsabilidades do que se pode imaginar, contudo é um sonho de liberdade absolutamente possível de ser realizado.
Na transição do ano de 2007 para 2008, surgiu uma proposta de doação de uma verba de US$ 10 mil para este projeto, através de uma fundação norte americana, porém, por motivos alheios à nossa vontade, por falta de interesse de quem teria que prioritariamente ter a obrigação de se preocupar com o problema, passados alguns meses, tal verba, como havia data limite para apresentação de posicionamentos e estes não foram realizados, foi cancelada. Se tudo tivesse dado certo, à estas horas eles já estariam cortando os céus do sertão de cerrado do estado de Mato Grosso do Sul. Era preciso partir em busca de novas oportunidades, tínhamos esperança.
sonho
Em 2009, através de relacionamentos que dispomos, acabamos por conhecer o proprietário de uma grande fazenda – 5.000 hectares - no estado de Mato Grosso do Sul, este por sua vez, bem como sua esposa, ficaram maravilhados com a proposta do projeto, inclusive, além de ceder a fazenda para o trabalho com a soltura, ainda disponibilizaria construções existentes no local de modo a implantar uma espécie de filial da SOS Fauna no coração do cerrado sul mato-grossense, para trabalhar com recepção, recuperação, reabilitação e solturas de aves apreendidas pelas autoridades locais, mas ainda havia muito a se fazer.
Ainda em 2009, mais precisamente em junho, nos deslocamos até a fazenda, no município de Nova Andradina, para realizar o que seria o tão sonhado e esperado primeiro passo para a soltura destas aves, e indo mais além, a possibilidade de poder haver um local, na rota do tráfico de papagaios, que servisse de apoio a futuras apreensões no estado e possíveis reintegrações de papagaios-verdadeiros em vida livre, mesmo que apreendidos em outros estados, porém que tivessem origem geográfica detectada.
Inclusive o proprietário da fazenda se propôs a reformar a construção, e assim, pouco tempo depois o fez. Mas nós, infelizmente, com carência de recursos, não pudemos dar continuidade ao sonho de liberdade para aquele grupo de papagaios, e o ano de 2010 chegou.
Quando nos aproximávamos do mês de agosto de 2010, começamos a disparar e-mails alertando sobre algo que já temíamos, viria a acontecer. O período reprodutivo no cerrado se aproximava e os meses de setembro e outubro representam o período de maior índice de nascimentos de filhotes de papagaio-verdadeiro e conseqüentemente a apanha dos mesmos para atender aos mercados ilegais, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Algumas apreensões ocorreram e dentre estas, duas de maior porte, a primeira no município de Penápolis – SP, com 147 filhotes, quinze dias depois em Bataguaçú - MS, mais 155, em ambas, os traficantes que já eram velhos conhecidos, nunca param suas atividades criminosas em função da legislação brasileira em relação a este tipo de crime ficar cada vez mais branda. Exemplo disso é que a pessoa que transportava os 147 filhotes e que foi detida em Penápolis, há exatos trinta dias atrás esta também havia sido detida em outra operação, desta vez no estado do Paraná, mais precisamente no município de Xamberê, com cerca de 200 cardeais escondidos na parte de baixo de um veículo FIAT Idea, próximos ao tanque de combustível e escapamento.

Aves apreendidas em Xaberê – PR, agosto de 2010.

147 filhotes de papagaio-verdadeiro, Penápolis – SP, setembro de 2010
Todos os mais de trezentos filhotes foram encaminhados ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres – CRAS – em Campo Grande – MS, em 2010 as apreensões chegaram próximas ao número de QUATROCENTOS PAPAGAIOS,  número certamente bastante inferior aos filhotes que, infelizmente, chegaram ao consumidor final!

CRAS de Campo Grande – MS – outubro de 2010.
Nesta época, em São Paulo, tivemos a iniciativa de lançar uma campanha para arrecadação de itens de modo a auxiliar o CRAS em Campo Grande, e conseguimos realizar com êxito este trabalho, amplamente divulgado pela mídia, podendo ainda, mesmo após quase um ano, ser encontrada noticias sobre o fato em toda internet.
Mas algo que ainda nos preocupava eram os papagaios que ainda estavam conosco, então decidimos que em 2011 enveredaríamos ainda mais esforços, se preciso fosse ultrapassando limites, para implementação da Unidade de Apoio à Recepção de Aves Silvestres do Cerrado Vitimas do Tráfico na fazenda em Nova Andradina e paralelamente executar a soltura – de forma absolutamente técnica – do nosso grupo de papagaios, pois conscientizar seres humanos e convencê-los a colaborar não é uma tarefa muito fácil.
No inicio deste ano – 2011 – começamos. Conseguimos com ajuda internacional, da Word Parror Trust, a construção dos dois recintos de soltura desmontáveis destinados aos papagaios, depois através da UPS do Brasil, Digital-GO, Murimarelo, BRAFRUIT, Stile de Vita, Pinheiro Neto Advogados, SINDIPEÇAS,  THX, Leme Cavalheiro Advogados Associados e mais algumas pessoas físicas, itens que necessitamos para a soltura e também implementação da unidade, porém ainda há muito a se fazer e à adquirir.
Mas ainda é vital para o projeto, que possamos conseguir mais uma série de itens e desempenho de tarefas para a promoção da soltura e montagem da unidade, conseguimos através da FAB - Força Aérea Brasileira – o transporte os papagaios, mas estes só têm recursos (verba para combustível) para fazer este trabalho até no máximo agosto de 2011, isso significa que nossa unidade precisa estar montada no máximo até o dia 10 de agosto próximo. Estamos na reta final e queremos tornar real este sonho de liberdade pela conservação de nossa biodiversidade bem como o de também poder apoiar as autoridades locais em relação a este calvário de apreensões pelas quais todos os anos passa o estado de Mato Grosso do Sul.

Atualmente todos os papagaios estão prontos para regresso em vida livre, pronto para o regresso DE VOLTA PRA CASA – fotografias julho de 2011.

Há mais de 20 anos libertando animais silvestres.

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