ar Falávamos de amor, de heroísmo e ternura, Nos caminhos da Terra, em lutas naturais, Quando um amigo lembrou: “ não se deve esquecer O amor dos animais”. E contou comovido: - Quando na Terra, um pobre cão rafeiro Que eu nunca soube de onde vinha, Fez-se meu companheiro Na tapera isolada que eu mantinha. Era um cão vagabundo, um desses cães, Cujo medo de banho desconsola, Vendo-lhe a boca enorme e as bochechas caídas, As crianças chamavam-no Beiçola. Bernento e preguiçoso, muitas vezes, Procurei desterrá-lo, Mas Beiçola voltava e me seguia Estivesse eu a pé ou trotando a cavalo. Já não sabia o que fazer do cão, Que já me habituara a suportar Num misto de amizade e de aversão. Certa manhã de Sábado, eu devia, Ir do campo à cidade, A fim de resgatar antiga conta Cujo prazo vencia. Montei no meu pequira muito cedo De merenda robusta na sacola, E pus-me alegremente no caminho Acompanhado por Beiçola. Desmontei-me às dez horas para o almoço, Transportando a merenda para baixo, Ao pé de velha ponte que cobria Um pequeno riacho... Alimentei-me à farta e dei ao cão Tudo que me sobrou da refeição... Tomei de novo a montaria Açoitei o animal para seguir depressa, O débito a pagar daquele dia, Mas uma cena estranha então começa. Beiçola, de ordinário, pachorrento, Intentava correr, de lado a lado, Em uivos e latidos... Depois correu à frente, Como a querer parar o pequira assustado. O cão dependurava-se nos freios, Enquanto eu lhe gritava nomes feios; Espanquei-o a chicote, mas em vão... E cansado de vê-lo a pular, doidamente, Concluir, de repente, Que a doença da raiva atacara meu cão... Agi sem medo, rápido e seguro, Dei-lhe um tiro com o fim de elimina-lo, De modo a defender-me e a livrar meu cavalo. Beiçola então soltou doloroso gemido, Caminhou para trás, claramente ferido, Enquanto fui em frente... Mas atingindo o banco e buscando o gerente, A fim de resgatar a minha conta inteira, Debalde procurei minha carteira... No assombro que me toma, Notei que me faltava grande soma... Decerto que perdera o dinheiro em caminho Pois saíra com ele da fazenda... Deliberei voltar ao local da merenda, Pedi ao chefe amigo aguardar mais um pouco E aflito, semi-louco, Remontei o cavalo e voltei de corrida... Regressando ao lugar em que estivera... E o amigo rematou, emocionado: - Só então compreendi quão ingrato que eu era... Sabem o que encontrei? Após seguir pequeno espaço Todo ele marcado em sangue, traço a traço, Achei Beiçola já sem vida... E ao arrasta-lo para um canto, Vi, sob o corpo dele, a estremecer de espanto, A carteira perdida... Ah! Como me doeu o coração De susto e de emoção!... Não sei dizer tudo o que sinto, Por muito que lhes conte, Meu pobre cão rafeiro, Cuja lembrança está sempre comigo, Arrastou-se ferido e, após ganhar a ponte, Morreu fiel e amigo, Guardando o meu dinheiro. |
Fonte: livro – “Coração e Vida” Francisco Cândido Xavier – Maria Dolores | |
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