terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Questão de Ética - Abolicionistas, bem-estaristas, socorristas

 Sônia T. Felipe

26 de dezembro de 2011

Sempre estranho as acusações de Francione contra
 Singer. Francione faz um trabalho inestimável, pois vindo 
do direito, acaba por dar um braço jurídico à defesa dos
 direitos dos animais, algo que a argumentação ética 
de Singer não pretende fazer.
Singer é abolicionista, embora não tenha usado tal 
expressão, que, se minha memória não me trai agora,
 foi usada apenas uma vez por Tom Regan. Essa vez eu
 a apanhei e passei a usar no Brasil, antes de
 qualquer outra pessoa.
Bem, estranho em Francione uma argumentação que
 não se sustenta, a não ser sobre os pilares da
 argumentação do Singer. Lá do alto, sentado sobre 
os ombros do gigante, obviamente o Francione vislumbra 
algo que Singer não chegou a elaborar com todas as letras,
 mas formatou numa matriz que Francione agora pode 
aplicar para fazer seus escritos.
Nunca vi Singer defendendo o onívorismo consciente. 
Mas, em seu livro, Ética na Alimentação, ele faz 
comparações entre quatro tipos diferentes de dietas.
 Nessas comparações, há passagens nas quais ele 
admite que é menos pior uma delas, do que as outras.
 Daí muita gente usar essas passagens para desqualificar
 Singer. Inclusive Francione. Lamentável.
Dizer que é menos pior passar pomada contra sarna no cão, 
do que deixar que ele fique sofrendo com as sarnas, não é 
abolicionista, obviamente, porque, o ato de passar a pomada
 no cão não o liberta do sistema de detenção ao qual está
 condenado, porque humanos gostam de eleger a espécie
 canina como objeto de estimação.
Mas, embora a posição abolicionista defenda a libertação 
total de todos os animais, e, veja, isso devemos historicamente,
 primeiro a Singer, e não a Francione, que só veio vinte anos
depois de Singer, nenhum abolicionista genuíno condenaria 
qualquer pessoa que oferecesse água e comida a um cão 
sedento e esfomeado! Isso, é o que Singer admite, e o que 
fazem as protetoras de cães e gatos. Mas, isso, não é 
bem-estarismo, é um ato de compaixão, é “socorrismo”. 
Claro, se essas pessoas ficam apenas passando pomada
 nas áreas tomadas pela sarna, no cão, e não vão além disso, 
então elas não podem esperar dos abolicionistas nenhuma
 palmadinha de consolo no ombro.
Portanto, quando usamos o termo bem-estarismo, precisamos 
deixar claro que ele se destina a nomear o sistema de exploração
 e morte dos animais para beneficiar humanos, um sistema que
 aumenta as gaiolas e as correntes, fingindo que se preocupa 
com o bem próprio dos animais, e confundindo o bem que é
 específico e particular a cada indivíduo, com dar algum 
suprimento para que a “qualidade” do produto final 
não seja prejudicada.
Bem-estarismo não visa o bem dos animais, visa o lucro dos
 produtores e a segurança dos consumidores, por isso 
desperta tanta indignação nos abolicionistas. De fato, está 
errado usar esse termo para designar gente que não se importa 
com o bem próprio dos animais, gente que apenas diminui,
 quando o faz, o mal-estar deles.
Então, para não magoar tanto as pessoas que cuidam dos
 animais estragados pelas outras, poderíamos ter uma terceira 
categoria, que não seria referida com o termo bem-estarista, nem
 abolicionista, até prova em contrário, por exemplo, na falta de
 inspiração momentânea, “socorrista” animalista. Acho ótimo!
Temos, então, os bem-estaristas, esses que o Leon Denis, 
em sua Coluna Educação Vegana, [Contraponto – Parte III 
– A origem do mal] rudemente chamou com palavras duras, 
quero dizer, os que defendem o sistemão como ele está aí 
posto, apenas ampliando o espaço ou implementando algum 
alívio para os animais que seguem na fila da morte; os
 abolicionistas, que claramente se opõem à toda e qualquer
 forma de confinamento dos animais para exploração que 
beneficie humanos; e, finalmente, os socorristas, que cuidam 
dos animais estragados pelos primeiros, sem com isso dizer 
que são favoráveis ao confinamento e exploração dos animais.
 Esse último grupo não é bem-estarista, no sentido mais usado 
do termo, é “socorrista”. Ninguém, em sã consciência, pode
 criticar qualquer ser humano que venha em socorro de um
 animal, humano ou não-humano, ferido e em necessidade. 
Mas, também em sã consciência, ninguém pode parabenizar
 aqueles que se põem na posição bem-estarista, pois são 
eles quem sustentam o sistema.
Mas, que isso fique claro, nem todas as socorristas são 
abolicionistas. Nem todas as socorristas são bem-estaristas. 
Por haver uma enorme diferença na posição de umas, em 
relação a das outras, é que temos embates feios no movimento 
de defesa dos animais. Mas, esses embates, no que posso 
acompanhar, têm sido muito ricos, e sou uma filósofa feliz, 
porque introduzi esse debate teórico no Brasil e agora disponho
 dessa comunidade maravilhosa, da qual Gianna, Andresa, 
Sarah R., Vitor, Pedro, Luciano, Leon fazem parte, entre 
dezenas de outras pessoas, para poder aprofundar os conceitos. 
Devo a vocês, hoje, ter a faísca para entender que precisamos 
urgentemente de uma terceira categoria conceitual e ética, a de
 socorristas animalistas, designando as pessoas, que são
 milhares pelo Brasil afora, que vivem socorrendo animais
 feridos e abandonados pelo descaso dos demais.
Tenho muito respeito pelas socorristas. Tenho abjeção
 por bem-estaristas. Empenho-me pela abolição de todas
 as formas de exploração animal, sem especismos eletivos ou elitistas.
Resumindo:
Bem-estaristas= apoiam o sistema de exploração animal.
Abolicionistas= defendem a abolição desse sistema.
Socorristas= prestam serviço aos animais feridos ou 
abandonados pelo resto da sociedade, visivelmente
 bem-estarista, no sentido acima.

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