Sônia T. Felipe
26 de dezembro de 2011
Sempre estranho as acusações de Francione contra
Singer. Francione faz um trabalho inestimável, pois vindo
do direito, acaba por dar um braço jurídico à defesa dos
direitos dos animais, algo que a argumentação ética
de Singer não pretende fazer.
Singer é abolicionista, embora não tenha usado tal
expressão, que, se minha memória não me trai agora,
foi usada apenas uma vez por Tom Regan. Essa vez eu
a apanhei e passei a usar no Brasil, antes de
qualquer outra pessoa.
Bem, estranho em Francione uma argumentação que
não se sustenta, a não ser sobre os pilares da
argumentação do Singer. Lá do alto, sentado sobre
os ombros do gigante, obviamente o Francione vislumbra
algo que Singer não chegou a elaborar com todas as letras,
mas formatou numa matriz que Francione agora pode
aplicar para fazer seus escritos.
Nunca vi Singer defendendo o onívorismo consciente.
Mas, em seu livro, Ética na Alimentação, ele faz
comparações entre quatro tipos diferentes de dietas.
Nessas comparações, há passagens nas quais ele
admite que é menos pior uma delas, do que as outras.
Daí muita gente usar essas passagens para desqualificar
Singer. Inclusive Francione. Lamentável.
Dizer que é menos pior passar pomada contra sarna no cão,
do que deixar que ele fique sofrendo com as sarnas, não é
abolicionista, obviamente, porque, o ato de passar a pomada
no cão não o liberta do sistema de detenção ao qual está
condenado, porque humanos gostam de eleger a espécie
canina como objeto de estimação.
Mas, embora a posição abolicionista defenda a libertação
total de todos os animais, e, veja, isso devemos historicamente,
primeiro a Singer, e não a Francione, que só veio vinte anos
depois de Singer, nenhum abolicionista genuíno condenaria
qualquer pessoa que oferecesse água e comida a um cão
sedento e esfomeado! Isso, é o que Singer admite, e o que
fazem as protetoras de cães e gatos. Mas, isso, não é
bem-estarismo, é um ato de compaixão, é “socorrismo”.
Claro, se essas pessoas ficam apenas passando pomada
nas áreas tomadas pela sarna, no cão, e não vão além disso,
então elas não podem esperar dos abolicionistas nenhuma
palmadinha de consolo no ombro.
Portanto, quando usamos o termo bem-estarismo, precisamos
deixar claro que ele se destina a nomear o sistema de exploração
e morte dos animais para beneficiar humanos, um sistema que
aumenta as gaiolas e as correntes, fingindo que se preocupa
com o bem próprio dos animais, e confundindo o bem que é
específico e particular a cada indivíduo, com dar algum
suprimento para que a “qualidade” do produto final
não seja prejudicada.
Bem-estarismo não visa o bem dos animais, visa o lucro dos
produtores e a segurança dos consumidores, por isso
desperta tanta indignação nos abolicionistas. De fato, está
errado usar esse termo para designar gente que não se importa
com o bem próprio dos animais, gente que apenas diminui,
quando o faz, o mal-estar deles.
Então, para não magoar tanto as pessoas que cuidam dos
animais estragados pelas outras, poderíamos ter uma terceira
categoria, que não seria referida com o termo bem-estarista, nem
abolicionista, até prova em contrário, por exemplo, na falta de
inspiração momentânea, “socorrista” animalista. Acho ótimo!
Temos, então, os bem-estaristas, esses que o Leon Denis,
em sua Coluna Educação Vegana, [Contraponto – Parte III
– A origem do mal] rudemente chamou com palavras duras,
quero dizer, os que defendem o sistemão como ele está aí
posto, apenas ampliando o espaço ou implementando algum
alívio para os animais que seguem na fila da morte; os
abolicionistas, que claramente se opõem à toda e qualquer
forma de confinamento dos animais para exploração que
beneficie humanos; e, finalmente, os socorristas, que cuidam
dos animais estragados pelos primeiros, sem com isso dizer
que são favoráveis ao confinamento e exploração dos animais.
Esse último grupo não é bem-estarista, no sentido mais usado
do termo, é “socorrista”. Ninguém, em sã consciência, pode
criticar qualquer ser humano que venha em socorro de um
animal, humano ou não-humano, ferido e em necessidade.
Mas, também em sã consciência, ninguém pode parabenizar
aqueles que se põem na posição bem-estarista, pois são
eles quem sustentam o sistema.
Mas, que isso fique claro, nem todas as socorristas são
abolicionistas. Nem todas as socorristas são bem-estaristas.
Por haver uma enorme diferença na posição de umas, em
relação a das outras, é que temos embates feios no movimento
de defesa dos animais. Mas, esses embates, no que posso
acompanhar, têm sido muito ricos, e sou uma filósofa feliz,
porque introduzi esse debate teórico no Brasil e agora disponho
dessa comunidade maravilhosa, da qual Gianna, Andresa,
Sarah R., Vitor, Pedro, Luciano, Leon fazem parte, entre
dezenas de outras pessoas, para poder aprofundar os conceitos.
Devo a vocês, hoje, ter a faísca para entender que precisamos
urgentemente de uma terceira categoria conceitual e ética, a de
socorristas animalistas, designando as pessoas, que são
milhares pelo Brasil afora, que vivem socorrendo animais
feridos e abandonados pelo descaso dos demais.
Tenho muito respeito pelas socorristas. Tenho abjeção
por bem-estaristas. Empenho-me pela abolição de todas
as formas de exploração animal, sem especismos eletivos ou elitistas.
Resumindo:
Bem-estaristas= apoiam o sistema de exploração animal.
Abolicionistas= defendem a abolição desse sistema.
Socorristas= prestam serviço aos animais feridos ou
abandonados pelo resto da sociedade, visivelmente
bem-estarista, no sentido acima.
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