sexta-feira, 2 de março de 2012

Saiba como cuidar de cães deficientes


Ayrton Mugnaini Jr.

Justamente por ser óbvio, é bom lembrar: pessoas deficientes
 merecem mais atenção e mais cuidados. E nem precisaríamos 
acrescentar: cães deficientes também. Muitos de nós conhecemos
 ou temos cães que nasceram com problemas mentais, visuais, 
auditivos, ou foram vítimas de doença grave, acidente ou violência,
 ou ainda estão bem velhinhos e perdendo visão, audição ou mobilidade.
Aqui vai um guia geral, mesmo sem esgotar o assunto, visando 
ajudar nossos peludos deficientes a viver mais – e com qualidade de vida.
Encarando e entendendo a situação
Cães costumam se adaptar bem e rapidamente a problemas
 físicos, mesmo os mais drásticos e graves. Os donos, obviamente,
 têm de adaptar suas vidas às dos cães que, afinal, têm 
necessidades especiais. Também obviamente, vale a pena, não
 só pelo amor ao animal, mas também pelas lições de paciência,
 altruísmo, satisfação e bem-estar por ser útil e fazer diferença 
na vida de alguém de quem gostamos.
Certas deficiências não incomodam tanto a quem as tem. Explico.
 Uma pessoa ou animal cega ou surda de nascença não anseia por 
visão ou audição, pois não pode sentir falta do que nunca teve e 
costuma reagir e se virar na vida usando os outros sentidos. O fato de 
um cão ser surdo, seja ou não de nascença, não significa que ele seja
 impedido de passear com o dono. Idem para cães “cadeirantes”,
 com patas traseiras imobilizadas ou ausentes.
Esteja pronto para consolar o peludo caso ele tenha se tornado cego, 
cadeirante ou adquirido outra deficiência. É natural que ele fique
 deprimido, e a melhor terapia é a ocupacional, continuando com as 
caminhadas e o máximo possível de brincadeiras. Homeopatia
 também pode ajudar a acalmá-lo.
Quanto a cães deficientes mentais, são mais raros por dois simples 
motivos. Um: as mães caninas abandonam os filhotes quando 
percebem que estes têm menos probabilidades de sobrevivência.
 Pode ser triste para nós humanos, mas Mamãe Natureza é 
pragmática e não adianta mesmo a gente chorar – mas adianta
 tentarmos salvar estes filhotes. Dois: os cães que sobrevivem não 
ostumam viver muito, vítimas da própria doença ou suas consequências 
como ataques e paralisias, e em casos extremos pode até ser 
aconselhável eles serem sacrificados.
Quando alguém chama um cachorro de “idiota” ou “retardado”, 
geralmente é puro desabafo de frustração ou raiva tipicamente
humanas perante cães mais difíceis de serem socializados e
 aprenderem a obedecer comandos. No máximo, o cão costuma 
ter grandes fobias, e pode levar semanas para ele aprender a, por 
exemplo, andar com as patas traseiras. Fui dono por algum tempo 
(junto com meu filho e a mãe dele) de uma cadela jogada num rio 
dentro de um saco que foi descoberta em tempo para sobreviver, 
mas aparentemente a falta de oxigênio afetou-lhe a mente e sua 
socialização foi bem mais difícil durante todos os cerca de 
dez anos que ela viveu.
Algumas dicas para cuidar
Nunca é demais lembrar que socializar o cão, sela ele deficiente 
ou normal, é sempre importante. Como o peludo deficiente 
necessita de mais cuidados que um normal, o ideal é conviver 
com ele em casa, não num quintal, jardim ou quartinho dos fundos.
 Não se esqueça de inspecionar toda a casa para remover 
qualquer coisa que possa prejudicar um cão cego ou desatento, 
como galhos baixos, tábuas soltas, piscinas ou grandes fontes
de água, escadas ou rampas muito lisas ou sem portões, móveis
 com cantos pontudos ou buracos no chão.
Procure evitar mudanças frequentes ou drásticas para o cão não 
se desorientar. E o cão deve ser examinado todos os dias; afinal, ele 
não tem a mesma facilidade humana de expressar com precisão o 
que sente e, se tiver paralisia ou insensibilidade em partes do corpo,
 não sentirá dor e portanto não poderá reagir a riscos de infecções,
 mesmo da forma simples, prática e bem canina de se lamber para
 curar ou minimizar feridas ou irritações. Como dissemos, você pode
 – e deve – passear com cães cegos ou surdos, apenas não se 
esquecendo de que é você quem enxerga e ouve por ele.
É bom apresentar o cão a outros cães deficientes. Você inclusive
 pode trocar experiências sobre o assunto com outros donos e donas. 
Mas cuidado ao apresentar o cão cego ou surdo a outros cães –  há
 o risco de ele estranhar e rosnar ou até morder. Se você tem outros
 cães ou gatos, uma boa ideia é colocar-lhes guizos no pescoço, para
que o cão perceba que eles estão chegando. (Você pode também
prender com elástico guizos em um de seus próprios tornozelos, para
 o cão saber que você está próximo.)
Guizos vão bem também em bolas, assim como perfumes de toucinho 
ou baunilha, ou bolas que façam algum ruído, para facilitar o cão
 deficiente visual a encontrá-las e brincar com elas, especialmente 
se ele não é cego de nascença e adorava brincar de bola quando
 enxergava. Assim como jogadores de futebol se tornam técnicos,
 um cão muito ativo que tenha de e “aposentar” por invalidez poderá
 ter uma segunda carreira como cão de terapia em hospitais
 ou casas de repouso.
Sempre “converse” com o peludo, e procure falar sempre em tom
 alegre e “pra cima”, especialmente se ele for cego. O cão sente 
segurança da presença do dono pela voz. É verdade que cães são 
excelentes para afastar a tristeza humana, mas isso não significa que 
devamos contaminá-los com ela. Ao viajar ou passar muito tempo fora 
de casa com ele, não esqueça do cobertor, caminha ou outro objeto 
com que ele esteja acostumado, para evitar que o bicho fique 
traumatizado ou inseguro.
Esta dica vale para todo mundo, deficiente ou não, humano ou 
peludo: evite paparicar e proteger demais! Deixe o cão solto o 
suficiente para se divertir e aprender a se virar na vida. Mesmo 
se ele seja de pequeno porte, não caia na tentação de colocá-lo
 em locais onde ele inicialmente não alcance (para comer,
 por exemplo), pois ele se confunde se de repente aparece um “deus”
 ou “deusa” para facilitar tudo. Evite também cair na armadilha daquele 
lhar ou ganir de quem não come há meses; obesidade, especialmente 
em cães inativos, é um risco e um problema a mais de que 
eles não precisam.
E o que é ser deficiente ou ser normal?
Parece-me adequado lembrar uma conversa que tive este ano 
com uma nova amiga. Ela disse: “Tenho uma filha com síndrome
de Down”. Não contive um “Que pena”... e levei o mais carinhoso 
tapa verbal: “Como assim, ‘que pena’? O mundo material é feito 
de diferenças, é preciso acabar com esse preconceito de piedade!
 Pessoas com Down podem viver bem e são pessoas excelentes.
 E pessoas comuns sofrem de inveja, fraqueza, inconstância, 
distúrbios piores do que um déficit mental.”
Do mesmo modo, um cão deficiente precisa de mais atenção e 
cuidados, como dissemos, e também de carinho, mas não de 
piedade de “superior” para “inferior”. Mesmo que um peludo com 
necessidades especiais não chegue a ser normal, pensemos: afinal
 de contas, o que é ser normal? Mais importante é ser feliz e não
causar mal a outros seres.
Não devemos ter aquela piedade inferiorizante, mas sim saber 
conviver com as diferenças, aceitá-las para tratá-las de acordo. 
Stephen Hawking, Stevie Wonder e Herbert Vianna são apenas
 três exemplos humanos de superação, e a perfeição, como diria
 Gilberto Gil, é meta de goleiro. Não importa se você acredita que 
seu cão é deficiente pela vontade de Deus ou por acaso e
determinismo histórico; é bom pensarmos no cão deficiente como
 sendo, mais que portador de necessidades especiais, um cão que
 já é ele mesmo especial.

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